Wanda Engel
Por WandaEngel -
[Temporada 3: Completando o ciclo]
Antes de começar o relato sobre o novo Instituto Unibanco, é importante ressaltar que sua concepção e implantação foram fruto de um trabalho coletivo, realizado por uma incrível equipe que, a partir de um pequeno grupo de pouco mais de dez pessoas, foi crescendo e se descentralizando, no decorrer dos seis anos de minha gestão.
Eram profissionais top, como Sonia Silva, Vanderson Berbat, Fábio Santiago, Graciete Santa Anna do Nascimento, Camila Iwasaki e Fabiana Mussato, dentre muitos outros, que, com muito esforço, competência, compromisso, fino humor e alegria foram os artífices desta antiga/nova organização.
Mil desculpas, mas não me atrevo a listar todos os que tiveram papel relevante nesta construção, pois, com certeza, haveria de me esquecer de alguém.
A concepção de uma nova forma de atuação para o Instituto Unibanco, exigia, entretanto, uma melhor compreensão das ideias que norteavam, historicamente, seu funcionamento.
Isto porque uma organização não é constituída apenas por suas características objetivas, como governança, estrutura, funcionamento ou modelo de atuação. Existe uma “parte submersa”, uma cultura institucional, constituída por valores e princípios, que orientam toda sua dinâmica institucional.
Uma organização social, como o IU, criada por um grupo financeiro, herdara parte da cultura institucional de seu criador. Assim, um dos fundamentos do IU era a ideia de “investimento social de resultados” que, diferente da filantropia clássica, pressupunha a expectativa de algum tipo de retorno.
Se, no mundo dos negócios, o retorno era o lucro, no investimento social, o retorno seriam os benefícios concretos alcançados pelos grupos mais vulneráveis de nossa sociedade.
Este pressuposto foi assumido pela nova proposta, que se propunha a investir melhor, através de uma “gestão para resultados”. Uma gestão eficiente, aumentando a relação custo X benefício; eficaz, buscando alcançar metas previamente estabelecidas, e efetiva, promovendo um impacto concreto na vida das pessoas.
Desta forma, a gestão para resultados tornou-se um princípio norteador, tanto para o instituto como um todo, quanto para cada uma de suas iniciativas.
Por outro lado, a busca pelo aumento de impacto do investimento social definiu a opção de se atuar segundo um modelo de Parceria Público Privada Social (PPPS).
Este modelo propunha uma atuação conjunta, especialmente com os governos, mas também com parceiros da sociedade civil, com vistas a promover uma integração de esforços, que gerasse um efeito sinérgico, capaz de aumentar o impacto das ações voltadas ao aperfeiçoamento das políticas públicas.
Não se acreditava na possibilidade de desenvolver programas, de forma apartada do sistema público de ensino, e depois oferecer um produto acabado para, supostamente, ser adotado como política pública.
Assim, a parceria se traduzia em uma gestão participativa, com a atuação conjunta dos parceiros, em todas as fases do processo, desde o planejamento até a avaliação dos resultados.
Restava, entretanto, responder a uma questão crucial.
Em uma Parceria Público Privada Social, qual seria o papel mais efetivo para uma organização como o IU? Apoiar financeiramente iniciativas governamentais? Desenvolver ações complementares? Prestar assessoria técnica a sistemas de ensino ou a escolas?
O IU propôs uma resposta totalmente diferente para esta questão.
Partindo da constatação de que é muito difícil, para sistemas públicos de ensino, testar alternativas de solução para seus problemas, em grupos menores de escolas, uma vez que seu mandato é universal, o IU se propôs a funcionar como uma espécie de “laboratório” para concepção e testagem de soluções inovadoras para estes problemas.
Assim, uma vez decidido o foco – Juventude, Educação e Ensino Médio – e o modus operandi- laboratório de soluções – foi possível ter maior clareza sobre qual seria a missão institucional do IU.
Ficou decidido, então, que nosso propósito seria o de contribuir com o desenvolvimento humano de jovens em situação de vulnerabilidade, buscando aumentar a efetividade de políticas públicas educacionais, voltadas à juventude, especialmente o Ensino Médio, através da concepção, testagem, validação e transferência de tecnologias sociais. Ufa! Missão difícil, complexa e …comprida, mas fazíamos tudo para que fosse cumprida!
Mesmo sabendo aonde queríamos chegar (missão) e como queríamos chegar lá (modus operandi), era necessário refletir sobre as crenças e valores que orientariam nossos passos (nossa bússola).
Neste processo de repensar o IU, a equipe definiu, como principais valores: a transparência, o conhecimento, a excelência dos resultados, a responsabilidade e corresponsabilidade, a coragem de ousar, a identidade como força, e a integração.
Como se pode perceber, além da transparência, essencial a propostas de Parceria Púbico Privada, que devem se basear, necessariamente, na confiança mútua, surgia a questão do conhecimento (e da ciência), como ponto de partida e chegada, para qualquer nova iniciativa.
Se queríamos ser um laboratório de novas soluções para sistemas de ensino, era fundamental que os resultados fossem comprovadamente efetivos, ou seja, primassem pela excelência.
Já o valor referente à responsabilidade e corresponsabilidade, também ligado ao princípio da parceria, deixava claro que todas os envolvidos (incluindo os jovens e suas famílias) deveriam ser corresponsáveis pela excelência dos resultados.
Por outro lado, assumir o papel de laboratório de soluções, que consistia em uma novidade para o mundo dos institutos e fundações, exigia muita coragem e força coletiva, somente obtidas através de uma profunda identificação com a causa e com a proposta de atuação.
Finalmente, a palavra de ordem era “integrar”. Integrar propostas, integrar setores, integrar atores, integrar o social ao negócio e o negócio ao social, enfim….integrar.
As soluções, concebidas, testadas e validadas, para serem transferidas, poderiam ser consideradas como tecnologias ou metodologias sociais.
Considerava-se, como tecnologia, um conjunto integrado de técnicas, processos ou metodologias, baseado no conhecimento acumulado, e voltado à resolução de um problema.
Algumas ideias básicas estavam envolvidas neste conceito. A primeira era a de que o ponto de partida para a concepção de uma tecnologia deveria ser o conhecimento produzido. Uma tecnologia era vista como aplicação prática de um conjunto de conhecimentos.
A segunda pressupunha que, para que uma tecnologia funcionasse de forma orgânica, era necessário conceber processos articuladores, ou seja, uma engenharia capaz de garantir a integração de seus diferentes componentes.
Finalmente, era importante a noção de que uma tecnologia era uma proposta em aberto. Isto possibilitava a inclusão de diferentes metodologias, capazes de melhorar sua performance.
Assim, as metodologias eram vistas como partes de uma tecnologia, podendo, também, ser oferecidas de maneira independente.
Gerar tecnologias e metodologias, capazes de elevar a qualidade e o grau de efetividades do ensino público, exigia, portanto, a construção de uma consistente base de conhecimentos.
Assim, elas tinham origem no diagnóstico de uma situação problema, cujos aspectos políticos, econômicos, culturais e sociais deveriam ser analisados, segundo uma visão sistêmica, para delinear um contexto inicial, de caráter multidimensional.
Com base nesta análise de contexto, passava-se, em uma segunda fase, para a concepção da proposta (tecnologia ou metodologia), que deveria representar uma possível solução para o problema que se desejava transformar.
A fase de concepção deveria incluir, também, pesquisas e debates, para garantir que a proposta, que estava sendo concebida, além de responder ao desafio proposto, seria compatível com o interesse e a disponibilidade dos sistemas de ensino. É importante destacar que a proposta de monitoramento e avaliação deveria, necessariamente, fazer parte deste desenho inicial.
Na verdade, como veremos mais tarde, a questão do monitoramento e da avaliação, tanto de resultados quanto de impacto, tinha um papel central no ciclo de produção, sendo por isto concebidos no momento em que as tecnologias estavam sendo desenhadas.
Por outro lado, enquanto a maioria das organizações sociais se restringia a fixar metas numéricas, como a quantidade de público atendido, o IU tinha a “coragem” de definir meta claras para os resultados (melhorar em 30% o desempenho no SAEB) e para o impacto (o desempenho do grupo de tratamento deve crescer um desvio padrão a mais, em relação ao grupo de controle).
Isto era, sem dúvida, uma incrível ousadia, naquele momento!
A terceira fase (testagem) seria responsável pela aplicação experimental da proposta, em ambiente controlado (uma espécie de prototipagem), com objetivo de realizar os ajustes necessários.
Para isto, o IU dispunha de uma unidade, o antigo Centro de Estudos do Instituto Unibanco, agora rebatizado de Centro de Estudos Tomas Zinner, que reunia, também, um conjunto de escolas públicas parceiras, localizadas em suas imediações.
Depois de alcançar resultados satisfatórios, em ambiente controlado (e se realmente fossem satisfatórios), partia-se para uma quarta fase, com a aplicação em escolas de diversas redes de ensino, preferencialmente em diferentes localidades.
Nesta etapa, destinada à validação da tecnologia, poderiam, inclusive, ser testadas alternativas de implantação em larga escala.
Como já foi mencionado, esta fase demandava um sistema de supervisão in loco, responsável pelo acompanhamento sistematizado do processo de implantação, a fim de indicar a necessidade de ajustes administrativos ou metodológicos.
Deveria incluir também um sistema de avaliação de resultados e de impacto, a serem realizadas, preferencialmente, por avaliadores independentes. A avaliação de resultados precisaria utilizar instrumentos (provas) compatíveis com o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), para permitir comparações com o universo das escolas públicas.
Depois de testada e validada, a nova proposta era sistematizada, para ser oferecida às redes públicas, e em caso de adesão, transferida para sistemas de ensino, em um processo semelhante ao de uma “franquia social”.
Nesta etapa de transferência, a implantação passava a ser uma responsabilidade direta do sistema de ensino, respaldada por manuais e guias de orientação, além de capacitações presenciais ou à distância, e de apoio técnico (coaching), fornecidos pelo IU.
A incorporação das tecnologias/metodologias às redes de ensino poderia implicar em desdobramentos, ou na descoberta de novos problemas. Isto geraria a necessidade de se produzir novos conhecimentos, e de se conceber novas tecnologias/metodologias, reinaugurando um novo ciclo de produção.
Princípios, valores e missão institucional acabaram por definir alguns requisitos que deveriam ser comuns a todas as tecnologias e metodologias, geradas pelo Ciclo de Produção.
Estes requisitos, além de se transformarem em uma espécie de DNA das iniciativas do IU acabavam se refletindo em sua própria estrutura organizacional.
Assim, gestão do conhecimento, monitoramento e avaliação, sistema de reconhecimento e expansão do universo cultural dos jovens eram traços recorrentes, sendo que alguns deles demandaram a constituição de equipes específicas para o tema.
Em primeiro lugar, como uma tecnologia deveria ter, como base, um conjunto consistente de conhecimentos, uma das áreas mais importantes do IU passou a ser a responsável pela gestão do conhecimento.
A produção ou organização de dados estatísticos e administrativos, e a promoção de estudos e pesquisas, seminários e publicações tornaram-se insumos básicos para todas as etapas do Ciclo Produtivo.
Os incríveis produtos gerados pela área de gestão do conhecimento, dada sua importância, serão tema de um próximo episódio
A segunda área crucial para o modus operandi adotado pelo IU, era a responsável pelo monitoramento do processo, realizado por um sistema de supervisão.
O monitoramento não poderia se restringir à coleta de dados sobre o processo de implantação. Deveria utilizar estes dados para propor melhorias no processo. Daí a importância de se contar com um eficiente sistema de supervisão in loco.
Cada supervisor atuava com um grupo de escolas, no acompanhamento da execução e na criação de espaços de discussão e troca de experiência. Os grupos de escola funcionavam como uma verdadeira rede de apoio mútuo, de forma a “não deixar ninguém para traz”.
A característica “in loco” do sistema de supervisão determinou a necessidade da descentralização da equipe do IU, com a criação de subsedes nos estados onde estivesse sendo testada ou implantada uma tecnologia ou uma metodologia.
Como já foi dito, a avaliação de resultados era essencial nos processos de testagem e validação, e deveria estar alinhada com o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), de forma a permitir comparações com outras redes de ensino.
Como o SAEB é aplicado somente de 2 em e 2 anos, nem sempre em caráter censitário, e seus resultados são divulgados, normalmente, um semestre após a sua realização, o IU tinha de dispor de um instrumento “tipo SAEB” que pudesse ser utilizado, tanto na avaliação diagnóstica (antes de se iniciar o processo), quanto na formativa (no meio) e na somativa (ao final).
Somente assim, seria possível dispor dos resultados para o aperfeiçoamento do processo, caracterizando o que se chamaria de “uso pedagógico da avaliação em larga escala”.
Para a montagem de provas “tipo SAEB”, cujos resultados pudessem ser equiparados aos exames oficiais, foram contratadas as duas instituições (CAED e CESGRANRIO) responsáveis, à época, pela realização daquele exame em nível nacional.
A comparação dos resultados dos dois instrumentos (SAEB e “tipo SAEB) demonstrou um alto grau de congruência, constatando a excelência do trabalho realizado.
Já a avaliação de impacto era mais complicada. Era preciso aferir que parte do resultado final poderia ser atribuída ao projeto.
Para montar uma avaliação de impacto “padrão ouro”, com grupo de tratamento e grupo de controle, o IU contou com dois dos mais conceituados cientistas sociais brasileiros: Ricardo Paes de Barros (Jovem de Futuro) e João Pedro Azevedo (Entre Jovens).
Por outro lado, como o sucesso de tecnologias e metodologias dependia fundamentalmente do engajamento e motivação dos envolvidos, um dos princípios básicos do modelo de Gestão para Resultados, proposto pelo IU, era a criação de um Sistema de Reconhecimento, baseado nos resultados esperados (melhoria de desempenho e diminuição da evasão).
Assim, todos os atores – equipes de direção, professores, alunos, supervisores, equipes regionais – envolvidos com as escolas, que apresentavam anualmente os melhores resultados e os maiores ganhos, no desempenho e no fluxo (diminuição da evasão), eram premiados em solenidades que se assemelhavam a um verdadeiro “Oscar da Educação”.
Era muito importante que os critérios adotados pelo sistema de reconhecimento incluíssem, além dos melhores resultados, os maiores ganhos.
Quando restringimos o incentivo aos resultados, alcançamos somente os melhores. Já quando reconhecemos os ganhos, podemos incluir aqueles que, apesar dos baixos resultados, demonstram um grande esforço em melhorar.
A promoção de rituais e celebrações, era vista como uma forma de reforçar a identidade grupal dos envolvidos com a tecnologia/metodologia e fortalecer o valor da corresponsabilidade.
Com base na crença da importância da educação, como ponto central do desenvolvimento humano integral, surgiu mais um requisito básico das tecnologias e metodologias do IU: a promoção intencional de estratégias de enriquecimento do universo cultural de todos os envolvidos no processo.
Assim, todas as propostas incluíam incentivo à produção cultural e acesso a espaços culturais, como salas de exposições, museus, teatros e cinemas, dentre outros.
A complexidade e o caráter inovador da nova missão institucional do Instituto Unibanco exigiam, além da montagem de uma super equipe, a constituição de um Conselho de Administração à altura daquele desafio.
Pedro Moreira Salles, o então presidente do Unibanco assumiu a presidência do Conselho e convidou Pedro Malan, ex Ministro da Fazenda nos dois mandatos de Fernando Henrique, para a vice-presidência. (Uauu!)
Como se não bastasse esta fantástica dupla de “Pedros”, outra dupla, desta vez de “Claudios”, aceitou se juntar ao grupo. O primeiro era Claudio Moura Castro, economista especializado na área de educação, com atuação no Banco Mundial e no BID, e articulista da Revista Veja. O segundo, também economista, vinha de uma experiência super exitosa no mundo financeiro, tendo sido também fundador do IBMEC, depois rebatizado como INSPER, organização que dirigia naquele momento.
Havia também uma dupla de “Tomases” (apesar das grafias diferentes). Eram Tomas Zinner, ex presidente do Unibanco e do próprio Instituto Unibanco, e Thomaz Souto Corrêa Netto, jornalista (o único não economista), com mais de meio século de atuação no Grupo Abril.
Ainda do campo da economia, vinham outros dois profissionais notáveis: Marcos Lisboa, ex Secretário de Políticas Econômicas do Ministério da Fazenda, à época vice-presidente do Unibanco e atualmente diretor do INSPER e meu amigo Ricardo Paes de Barros, considerado o maior especialista em políticas públicas do Brasil.
Mais tarde, quando da fusão Itaú/Unibanco, e com a decisão de não se fazer a junção das organizações com foco no desenvolvimento social (Instituto Unibanco e Fundação Itaú Social), mas com a intenção de promover a articulação entre elas, Antônio Matias, então Presidente da Fundação Itaú Social, veio se juntar ao conselho do IU, enquanto eu passava a compor o da Fundação Itaú Social.
Desta forma, o IU podia contar com um dos mais notáveis grupos de conselheiros de institutos e fundações sociais brasileiras, ou seja, com o conselho dos sonhos de qualquer organização.
Mesmo com ausência de mulheres e com a quase totalidade de economistas, este conselho foi um dos principais responsáveis pelo êxito das novas propostas do Instituto Unibanco.
No próximo episódio você vai conhecer tudo sobre o Entre Jovens, a primeira proposta gerada pelo Ciclo de Produção de Tecnologias. Inicialmente voltado para a primeira série do EM o Entre Jovens acabou sendo utilizado também na nona série do EF e na terceira série do EM. Mais tarde, passou a ser considerado uma metodologia. Não percam!
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