Wanda Engel
Por WandaEngel -
Como foi visto no episódio anterior, o Jovem de Futuro era uma proposta de Parceria Público Privada Social que visava instrumentalizar educadores e gestores escolares, para uma prática profissional focada na melhoria dos resultados do processo ensino-aprendizado, expresso através do aumento do rendimento e da diminuição da evasão escolar.
Costumamos chamar o processo educacional, envolvendo professor e aluno, de ensino-aprendizagem. Isto me faz lembrar de uma história ocorrida com minha neta Júlia.
Certa vez, quando tinha cerca de 4 anos, e estudava em uma escola alemã, Júlia veio me pedir ajuda para uma tarefa escolar, dizendo: Vovó, você pode me aprender isto?
Foi aí que descobri que, em alemão, ensinar e a0prender eram a mesma palavra.
Achei esta característica fantástica, pois impede que alguns professores julguem ter ensinado, mesmo quando seus alunos não aprenderam nada!
Na verdade, seguindo os germânicos, teríamos de nos fixar na tarefa de promover um efetivo “processo de aprendizagem” de nossos alunos.
O desafio de melhorar o processo de aprendizagem se iniciava com a concepção de um Plano Estratégico de Melhoria da Qualidade, adequado à realidade e às necessidades de cada escola, e alinhado ao Plano Político-Pedagógico.
Este Plano Estratégico era parte da proposta de implantação e manutenção de uma cultura de gestão escolar, abrangente, participativa, e norteada por metas comuns a toda a comunidade escolar.
Uma Parceria Público Privada, segundo o princípio da corresponsabilidade, demanda, para seu funcionamento, de uma definição clara e objetiva de papéis e responsabilidade dos principais atores envolvidos.
Assim, no Jovem de Futuro, todos os parceiros sabiam exatamente o que se esperava deles, e se comprometiam com o cumprimento de seus papéis e responsabilidades.
Estes papéis sofriam transformações nas diferentes fases do Ciclo Produtivo (concepção, testagem, validação e transferência), diminuindo o protagonismo do IU, à medida que se chegava à transferência, momento em que as Secretarias Estaduais de Educação assumiam a gestão do processo de implantação.
Assim, enquanto o foco das fases de testagem e validação eram as escolas, onde atuavam diretamente supervisores e técnicos do IU, na fase de transferência, passava a ser as secretarias de educação, que eram capacitadas e apoiadas tecnicamente para promover a implantação do programa nas escolas.
Sempre é bom lembrar que em todos os episódios ligados ao Instituto Unibanco, as informações referem-se ao período de meados de 2006 a meados de 2012, durante o qual exerci as funções de Superintendente Executiva.
À guisa de ilustração (e esperando não ser entediante), vamos enumerar alguns dos compromissos do IU, das secretarias estaduais, das escolas, dos jovens e das famílias, na fase de validação do JF.
O Instituto Unibanco se comprometia a fornecer apoio técnico para a elaboração do Plano Estratégico; a transferir os recursos financeiros para a execução do plano; a apoiar o processo de mobilização da comunidade escolar e de voluntários, para a atuação nas escolas; a acompanhar a execução físico-financeira; a oferecer capacitação para o uso pedagógico dos resultados das avaliações; a oferecer apoio técnico para uma gestão focada em resultados; a implantar um sistema de monitoramento e avaliação de resultados e impactos; e a premiar as escolas parceiras com os melhores resultados ou os maiores ganhos.
Às secretarias cabia indicar um interlocutor do projeto; disponibilizar dados sobre a rede; acompanhar os processos de diagnóstico, planejamento, implantação, monitoramento e avaliação; apoiar a mobilização para a aplicação das provas; e utilizar os resultados da experiência como insumo para políticas públicas de Ensino Médio.
As equipes escolares deveriam participar, durante os 3 anos, de todas as etapas do processo; organizar um Grupo Gestor do Projeto; aplicar as provas previstas para diagnóstico, monitoramento e avaliação; indicar um coordenador do projeto e um grupo de Agentes Jovens; mobilizar a comunidade escolar e a do entorno para a participação no projeto; participar das reuniões e capacitações; e apresentar prestação de contas, de acordo com o contrato de parceria.
Também os alunos tinham o compromisso de contribuir para o atingimento dos objetivos e metas do programa (desempenho escolar, assiduidade, pontualidade e conclusão do Ensino Médio); participar ativamente de ações voltadas à qualificação do ambiente físico escolar e sua manutenção; contribuir para a melhoria do clima escolar, com mais respeito, solidariedade, disciplina, e menos violência; apoiar a melhoria da prática pedagógica por meio de sugestões e participação em trabalhos de monitoria.
Finalmente, cabia às famílias acompanhar a vida escolar dos filhos; incentivar a participação deles em projetos escolares, práticas esportivas, de lazer e atividades culturais; participar de ações coletivas de melhoria do ambiente físico da escola; e comunicar à escola a existência de situações que pudessem prejudicar a frequência, permanência ou desempenho escolar dos alunos.
Este conjunto de compromissos era alvo de intenso processo de divulgação e de estratégias formais de adesão (contratos de parceria).
No início da implantação do Jovem de Futuro nas escolas, todos os envolvidos recebiam uma correspondência, explicando os benefícios que o programa propiciava e a contrapartida esperada de cada um.
Era jogo jogado com regras claras e objetivas.
A experiência na fase da testagem evidenciara uma enorme fragilidade (para não falar em carência) de uma cultura de gestão escolar voltada para resultados, que era proposta pelo Jovem de Futuro.
Por esse motivo, a capacitação para a prática deste modelo de gestão escolar provou-se necessária e estratégica.
Para tornar esse benefício disponível a um número grande de escolas, o Instituto formatou um programa de Gestão Escolar para Resultados (GEpR), visando promover uma verdadeira mudança de paradigma nesta área.
Conduzido pelos chamados Gestores de Aprendizagem (GAs), a formação em GEpR acontecia ao longo de todo o ciclo de 3 anos do projeto e abrangia coordenadores, supervisores, técnicos de apoio à gestão e o Grupo Gestor das escolas, além das equipes executivas das Secretarias de Educação,
Como se pode perceber, o primeiro módulo, desenvolvido no “ano zero”, ou seja, antes de se iniciar o ciclo de 3 anos, tinha como foco a própria construção do Plano Estratégico, utilizando a metodologia do Marco Lógico.
No primeiro ano, os temas eram as estratégias de implantação e acompanhamento, a importância da integração de áreas e setores, além da gestão e negociação dos conflitos (característica inevitável de processos colaborativos).
O segundo ano dedicava-se a promover a compreensão da avaliação como instrumento de aperfeiçoamento do processo; o entendimento da aprendizagem dos alunos como “razão de ser” da escola; e o desenvolvimento de habilidades de gerenciamento de pessoas e de lideranças.
Finalmente, no terceiro ano, o foco era a comunicação, o uso da informação e da tecnologia e a necessidade de se institucionalizar as práticas exitosas.
O programa pressupunha a conjugação de encontros presenciais, intercalados com apoio técnico à distância (coaching).
A partir de 2013, na fase da transferência, já sob a gestão de Ricardo Henriques, o processo de capacitação das escolas passou a ser desenvolvido pelas equipes das Secretarias de Educação, apoiadas pelo Instituto Unibanco.
O acompanhamento contínuo era uma das bases do Jovem de Futuro, especialmente na fase de validação. O supervisor acompanhava o andamento das atividades, observava o cumprimento dos cronogramas e intervinha, sempre que necessário, diante de imprevistos e dificuldades.
Era responsabilidade da supervisão acompanhar os resultados intermediários, conhecidos como “os 7 Rs do programa” (os sete resultados), e organizados em três eixos: estudantes, professores e gestão escolar.
Os estudantes deveriam frequentar mais as aulas (R1), melhorar o desempenho acadêmico em língua portuguesa e matemática (R2), e desenvolver habilidades socioeconômico-ambientais (R3).
Já os professores deveriam faltar menos (R4) e adotar melhores práticas pedagógicas (R5).
À gestão escolar caberia melhorar a infraestrutura da escola (R6) e ser cada vez mais orientada por resultados(R7).
Desejávamos uma escola com alunos presentes, interessados e aprendendo; professores presentes e ensinando, e gestores coordenando e dirigindo. Simples assim.
Trimestralmente, os grupos gestores e supervisores de cada escola se reuniam com consultores especializados, para revisar, ponto por ponto, o que havia sido executado e o que deixara de ser feito. Se necessário, planos e cronogramas eram redirecionados de imediato. O monitoramento incluía também a análise da prestação de contas do período.
Além disto era função do supervisor identificar problemas e/ou obstáculos no processo, visando promover espaços de discussão, inclusive entre as escolas, para conceber possibilidades de correção e aperfeiçoamento.
As escolas de um mesmo supervisor funcionavam como uma rede de troca de experiências e de apoio mútuo.
A intenção era a de evitar o “sustão”, quando os problemas são escondidos e as soluções postergadas, até que a bomba efetivamente explode, só restando correr atrás do prejuízo.
Para criar um clima de confiança e colaboração, a supervisão fazia uso de estratégias voltadas à melhoraria das relações interpessoais e das formas de comunicação. A proposta era a de identificar, explicitar e gerenciar os conflitos, ao invés de “varrê-los para baixo do tapete”.
A avaliação dos resultados tinha, como ponto de partida (“linha de base”) o desempenho dos alunos no SAEB de terceira série do EM, no chamado “ano zero”, ou seja, no ano anterior ao da implantação do projeto na escola.
Este resultado deveria ser comparado com a performance dos alunos ao final do terceiro ano do programa. A prova utilizada para este fim deveria ser o próprio SAEB.
Ocorre que em 2010, quando terminou a fase de validação em Minas e Rio Grande do Sul, não haveria o exame nacional (realizado apenas nos anos ímpares). Tornou-se necessária, então, a utilização da prova do sistema estadual, equivalente ao SAEB, que infelizmente existia somente em Minas.
Assim, no Rio Grande do Sul, que não dispunha desta possibilidade, foi preciso usar um instrumento construído pelo próprio IU, também equivalente ao SAEB.
Variações deste teste, desenvolvido pelo IU, eram utilizadas também para acompanhar o desempenho em Língua Portuguesa e Matemática, com aplicações, no grupo de tratamento e no grupo de controle, tanto no início do projeto (diagnóstica), quanto ao final de cada ano (somativa).
Estas avaliações tinham a função de fornecer dados para que as escolas acompanhassem o desempenho dos alunos e utilizem os resultados como insumos para a melhoria do processo pedagógico.
Como foi visto, serviam também para a decisão sobre a continuação do projeto na escola, uma vez que as regras previam que, caso ela não apresentasse ganhos, não seguiria participando da iniciativa.
Além disto, faziam parte dos critérios utilizados pelo Sistema de Reconhecimento, para premiar os melhores resultados e os maiores ganhos.
Um dos principais objetivos do Jovem de Futuro era diminuir os índices de evasão. Para tanto, dimensionava-se o fluxo de alunos da 1ª série, no ano de implantação do projeto e nos anos subsequentes, comparando-os com os registrados do ano zero do projeto.
A diminuição da evasão foi sempre o “calcanhar de Aquiles” do Jovem de Futuro. Na realidade, os ganhos significativos no desempenho não se refletiam na retenção dos alunos.
Por este motivo, o setor de gestão do conhecimento do IU deteve-se fortemente neste tema, promovendo estudos e pesquisas, realizando seminários, como “A crise de Audiência do Ensino Médio” e “Como Aumentar a Audiência do Ensino Médio”, além de criar espaços de discussão com jovens, como o “Encontro Nacional de Agentes Jovens”.
O pesadelo do novo coronavírus acabou contribuindo para a disseminação de conhecimentos sobre o método experimental para validação de um produto, neste caso as vacinas.
Todos ouvimos falar em um grupo de tratamento, que recebia a vacina e um grupo de controle, que tomava um placebo. A comparação dos resultados entre os dois grupos, avaliava a eficácia da vacina.
Isto pode facilitar a compreensão do uso do método experimental para avaliar o impacto do Jovem de Futuro. Vamos lá.
Após a adesão das escolas ao Programa, elas eram submetidas a um processo de “pareamento”, ou seja, formavam-se pares de unidades, com características as mais próximas possíveis.
De cada par eram selecionadas, por sorteio, a escola que formaria o grupo de tratamento e a que comporia o grupo de controle.
Uma vez que as escolas eram selecionadas por sorteio, não existiam diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos, nem quanto ao rendimento escolar nem quanto à condição socioeconômica dos alunos.
Por conseguinte, qualquer diferença, que viesse a surgir, ao longo dos três anos subsequentes, deveria ser atribuída ao impacto do projeto.
O desenho da avaliação de impacto incluía verificar o efeito do projeto, mesmo em alunos que se evadissem ao longo dos 3 anos.
Frente ao desafio de encontrar estes jovens, cheguei a pensar em colocar-lhes um “chip” antes que abandonassem a escola. De brincadeira, começamos a chamá-los de “grupo de chipados”.
Ao final dos 3 anos, tivemos de realizar uma “busca ativa”, da qual participaram também outros alunos, para encontrá-los e poder avaliar seu desempenho.
Os resultados indicaram que não havia benefícios sensíveis para quem participava do Jovem do Futuro por apenas um ano.
A avaliação de impacto apresentou seus primeiros resultados ao final de 2010, após três anos de implantação em Belo Horizonte e Porto Alegre.
Em Belo Horizonte, o desempenho do grupo de tratamento em português e matemática foi de 10,3 e 12,6 pontos, respectivamente, maiores que a média das escolas de controle.
Já em Porto Alegre, o desempenho de português foi de 29,7 pontos e o de matemática, de 25,7 pontos superior à média das escolas de controle.
A velocidade média do progresso nas escolas de tratamento em Belo Horizonte foi duas vezes maior que as escolas de controle e, caso o programa durasse cerca de 6 meses a mais, todas as escolas de tratamento chegariam à meta proposta. Já as escolas do grupo de controle levariam 3,7 anos para atingir a meta de português e 6,3 anos para atingir a meta de matemática.
Em Porto Alegre, as escolas de controle levariam 3,7 anos para atingir a meta de português e 2,3 anos para atingir a meta de matemática.
Em Belo Horizonte, 9 escolas superaram a meta de proficiência em português e 9 escolas superaram a meta em matemática. Já em Porto Alegre, 16 escolas superaram a meta em português e 12 escolas superaram a meta em matemática.
A notícia mais alvissareira é a de que estes fantásticos níveis de impacto se mantiveram, com poucas alterações, mesmo na fase da transferência, quando o protagonismo na gestão da proposta passou a ser das próprias secretarias estaduais de educação.
Sobre fatores que influenciaram os bons resultados, as análises indicaram, como já foi dito, que a natureza dos investimentos realizados pela escola no âmbito do Projeto – como incentivos a alunos e professores e aplicação em infraestrutura – não tinham impacto diferenciado sobre os resultados.
Por outro lado, fatores intangíveis, como mobilização, incentivos e temor de sanções apareciam associados à melhoria de resultados.
Finalmente, os resultados indicaram um efeito limitado sobre a redução da evasão. Uma análise preliminar do perfil dos alunos mostrou que, aqueles que permaneceram na escola, já possuíam desempenho inicial superior, em comparação aos alunos que abandonaram o curso.
A hipótese de que a escola não se esforçava para reter os “maus alunos”, apontava para a necessidade de que, na proposta de sanções negativas, fosse incluído, também, o índice de evasão, e não apenas o de desempenho acadêmico dos alunos.
Como já foi explicitado, uma tecnologia, como o Jovem de futuro, incluía e articulava várias propostas de ação, consideradas com metodologias.
As metodologias eram instrumentos disponibilizados às equipes escolares, para apoiar a ação pedagógica e a promover a mobilização e o engajamento dos jovens e da comunidade escolar.
No final, todas as metodologias do IU tinham como objetivo contribuir para a melhoria do desempenho dos alunos do Ensino Médio e para a diminuição do abandono e da evasão.
Era como se fosse oferecido, para as escolas parceiras, um conjunto de estratégias que poderiam ajudá-las a alcançar suas metas.
Havia metodologias de mobilização e articulação, como o SuperAção, o Agente Jovem, e a Campanha Estudar Vale a Pena; metodologias de cunho mais pedagógico, como o Entre Jovens, a Monitoria e o Jovem Cientista; metodologias-ponte entre o mundo da escola e o mundo do trabalho, como o Jovem Aprendiz e a Educação Financeira; além de metodologias temáticas voltadas ao aprofundamento de questões consideradas estratégicas, como o Valor do Amanhã e o Meio Ambiente Urbano.
No próximo episódio você vai conhecer algumas das mais importantes metodologias do Jovem de Futuro. Propostas inovadoras como o SuperAção, o Agente Jovem Escolar e a Monitoria. Não perca!
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