Wanda Engel
Por WandaEngel -
Após três anos de muito esforço e aprendizagem, chegamos ao momento das eleições municipais. Sem a possibilidade de reeleição, uma vez que a lei seria aprovada somente mais tarde, Cesar Maia, que contava com altíssimos índices de aprovação, indicou a candidatura de Luiz Paulo Conde, então Secretário Municipal de Urbanismo.
O que se especulava, à época, era que a escolhida seria Maria Silvia Bastos, Secretária de Fazenda, famosa por sua atuação no saneamento das finanças da prefeitura. Por isto, era conhecida, como a Mulher de Um Bilhão de Dólares, quantia existente no tesouro municipal, quando deixou o cargo. A indicação não se concretizou, pois Maria Silvia ficou grávida de gêmeos, e o Rio perdeu a possibilidade de ter sua primeira prefeita mulher.
Com altíssimos níveis de aprovação, Cesar Maia conseguiria eleger quem ele indicasse para o pleito. Neste contexto, a eleição consagrou Conde já no primeiro turno. Em um momento inicial, o “dream time” se manteve, apenas com algumas alterações.
Em termos de estrutura, a principal mudança na área social foi a criação da Secretaria Municipal do Trabalho.
Ainda no período da elaboração do Plano de Governo, Conde manifestou a intenção de criar uma Secretaria da Juventude. Tentei dissuadi-lo da ideia, por considerar que as secretarias deveriam existir a partir de temas verticais e que a questão da juventude tinha um caráter tipicamente transversal. Assim, faria mais sentido criar um espaço institucional intersetorial (grupo de trabalho, conselho ou comitê), responsável pela concepção e monitoramento de uma Política da Juventude (nesta época ainda não se discutia se o termo correto seria juventude ou juventudes), a ser implantada, de forma articulada, pelas secretarias de educação, saúde, desenvolvimento social, esporte, cultura, lazer e trabalho. Proposta que não se concretizou e com a qual sonho até hoje!
O fato é que não havia uma Secretaria Municipal de Trabalho. Este tema era parte do escopo da SMDS, como se tal política pudesse abranger apenas os mais pobres, e não toda a população carioca. Assim, a política de trabalho, por seu caráter universal, deveria estar sob a responsabilidade de uma secretaria específica. Conde aceitou a sugestão e, logo que foi eleito, criou a Secretaria Municipal do Trabalho e me pediu para indicar o secretário.
Sugeri o nome do brilhante economista André Urani, que eu havia conhecido no grupo encarregado do tema, no Plano Estratégico da Cidade. André fez uma excelente gestão, concebendo uma política universal, mas com prioridade para a população mais vulnerável.
A Macrofunção de Políticas Sociais, que eu coordenava nesta época, composta por Desenvolvimento Social, Educação, Saúde, Habitação, Cultura, Esporte e Lazer, ganhou mais um membro – a Secretaria Municipal de Trabalho.
Foi muito rica a experiência de trabalhar com prefeitos, com estilos de gestão tão diferentes. Para exemplificar, costumo brincar, dizendo que, para um despacho com Cesar Maia, levava uma lista de dez assuntos e, em dez minutos, encerrávamos a conversa, com tudo encaminhado. Já com Conde, levava uma lista de cinco assuntos, a reunião durava uma hora, e eu resolvia apenas 3 deles. Neste caso, apesar de permanecer com algumas indefinições, saia dali enriquecida com conversas sobre artes em geral, especialmente música, além de arquitetura, urbanismo e os principais problemas da cidade.
Esta brincadeira serve para ilustrar a grande objetividade do primeiro e os múltiplos interesses do segundo. A eficiência e objetividade de Cesar Maia eram compensadas pela sensibilidade e sociabilidade de Conde. Grandes prefeitos!
Cesar Maia reunia frequentemente a equipe de governo e, além dos assuntos referentes à cidade, reservava sempre um tempo para tratar de questões mais amplas, como o aumento do fundamentalismo no mundo, ou o processo eleitoral em algum país estratégico para o Brasil. Nestes encontros, costumava defender a tese de que uma equipe de governo deveria funcionar como uma orquestra. Assim, não importava que o pianista e o flautista tivessem convicções políticas divergentes, que o violonista desconfiasse de que sua mulher estivesse tendo um caso com o trompetista, que o pessoal das cordas fosse flamenguista e o dos sopros torcesse pelo fluminense. Nada disto tinha importância, no momento de executar uma peça musical. Naquele instante mágico, tudo o que importava era que cada um tocasse, da melhor forma possível, sob a batuta firme do maestro, e que o produto – a música – fosse uma verdadeira obra de arte. A obra de arte deveria ser a cidade do Rio de Janeiro!
Parecia uma parceria frutífera e duradoura. Tudo levava a crer que a grande orquestra permaneceria afinada por muito tempo. Ledo engano! Dali a dois anos, Cesar Maia se candidatou a governador do Rio e perdeu. No pleito seguinte, para a eleição de prefeito, voltou a se candidatar, desta vez competindo com o próprio Conde, que já tinha as condições legais para pleitear a reeleição. O grupo se dividiu. Cesar Maia acabou vencendo, com base em muitos acordos políticos, perdendo grande parte da autonomia de que desfrutava no primeiro mandato.
Os dois anos em que atuei na gestão Conde foram essenciais para a consolidação da política de desenvolvimento social, concebida e em processo de implantação na gestão Cesar Maia.
Minhas condições para o exercício do cargo continuaram as mesmas, com autonomia na composição e na gestão da equipe, com apoio político para tomada de decisões e com um progressivo incremento orçamentário para executar as ações. Tudo de bom!
Não podemos esquecer que uma política de desenvolvimento social tem necessariamente um caráter público, demandando o envolvimento de diferentes setores e atores sociais.
Isto porque, sua principal função – contribuir para diminuição da pobreza e da desigualdade – constitui-se em um problema para lá de complexo. Ora, um problema complexo necessita, para seu equacionamento, de uma abordagem intersetorial, além do estabelecimento de parcerias multidimensionais, capazes de oferecer, às famílias pobres, garantia de direitos, oportunidades de desenvolvimento integral e apoio a suas diferentes formas de organização social.
Para mobilizar e envolver setores e atores, é fundamental que todos tenham consciência da dimensão e gravidade do problema, do que já vem sendo feito para equacioná-lo, dos principais desafios, das possíveis soluções, e das formas, através das quais, cada um pode colaborar. Com estes objetivos foi realizada a Feira Rio Social.
Ocorre que, minha intenção era continuar meu trabalho até o final da gestão Conde. Nada indicava que fosse convidada para atuar no governo federal, no meio daquele período. Por outro lado, a proposta da Feira Rio Social só foi possível após atingirmos um certo grau de amadurecimento das propostas e das relações com os parceiros. Assim, ela acabou ocorrendo, justamente próximo ao convite, vindo a constituir-se, sem intenção prévia, em um evento que marcou o encerramento de meu ciclo de atuação na Prefeitura.
Este evento incluía um fórum de discussão sobre os problemas sociais da cidade e uma exposição das ações que vinham sendo desenvolvidas pelo governo (em diferentes secretarias), pelas ONGs parceiras e pelo empresariado. Cada organização dispunha de um estande, onde divulgava seu trabalho e, quando fosse o caso, comercializava seus produtos. Cada empresa era responsável pelo pagamento de seu próprio estande e do espaço reservado a alguma ONG, em um esquema de apadrinhamento.
No centro da feira se destacava o estande do Rio Voluntário, que oferecia oportunidades de trabalho voluntário ou de contribuições financeiras para as instituições da sociedade civil, utilizando, inclusive, o mecanismo de isenção fiscal, através de doações ao Fundo Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente.
Em um grande palco, apresentavam-se, voluntariamente, cantores de sucesso ou grupos artísticos, formados por beneficiários de programas sociais. De grande êxito foram as apresentações de crianças e jovens portadores de deficiência, atendidos pela FUNLAR, que incluíam desfiles de moda, jogos de capoeira e espetáculos de dança clássica e moderna.
A Feira Rio Social funcionou durante um final de semana, em uma grande tenda erguida em um terreno ao lado do BarraShopping, o que contribuiu para atrair grande parte do público daquele centro comercial.
Foi, sem dúvida, uma estratégia de marketing de causa muito efetiva, tanto para aumentar a consciência da população sobre os problemas sociais que afetavam a cidade, quanto para incrementar as contribuições voluntárias para programas e serviços destinados a enfrentá-los.
Propiciar experiências de “uso da cidade” e celebrar datas importantes eram prioridades da SMDS. Assim, multiplicavam-se eventos festivos no Natal, Dia da Criança ou Festas Juninas, ocasiões em que crianças, adolescentes, jovens e idosos, atendidos pelos diferentes programas da secretaria ou dos parceiros, deslocavam-se pela cidade, para participar de grandes eventos.
Minha experiência no Brizolão me fez constatar o fato de que as pessoas pobres viviam, em sua grande maioria, restritas a seu espaço comunitário, não tendo acesso sequer, como no caso do Rio, às áreas turísticas da cidade. Isto reforçou minha crença na importância de se propiciar, aos beneficiários da política de desenvolvimento social, um tipo de experiência capaz de ampliar sua visão de mundo e seu repertório cultural.
Com este intuito, eram promovidas festas juninas, comemorações natalinas, excursões e visitas a museus, teatros e parques que envolviam grande quantidade do público atendido.
Festa de Natal da SMDS no Aterro do Flamengo e festa junina com a participação do Prefeito Luiz Paulo Conde.
Possivelmente o evento mais importante, promovido pela SMDS, tenha sido o espetáculo de balé “O Quebra Nozes”, oferecido exclusivamente para nosso público, em duas fantásticas apresentações.
Ocorreu que, certa tarde, recebi um telefonema de Denise Paiva, então assessora especial do presidente Itamar Franco, oferecendo recursos, oriundos da Caixa Econômica Federal, destinados a atividades culturais, que deveriam ser imediatamente utilizados, sob o risco de serem devolvidos ao tesouro.
Imediatamente, entrei em contato com o Teatro Municipal, que apresentava, naquele momento, o balé Quebra Nozes, para sondar a possibilidade de um espetáculo exclusivo para a SMDS. Descobri, então, que a verba oferecida daria para bancar dois espetáculos, para um público total de cinco mil pessoas.
Dada a urgência, e a inexistência de orçamento específico, as coordenações regionais foram acionadas para conseguir, com parceiros locais e em tempo recorde, os insumos (transporte e alimentação) necessários.
Operou-se o milagre e cinco mil pessoas – crianças de creches, adolescentes (inclusive as grávidas), jovens (anteriormente em situação de rua e infratores), pessoas com deficiência e idosos – ocuparam, extasiados, as dependências do Teatro Municipal.
Já na entrada, se dava o choque, com relação ao próprio ambiente. Jovens que chegavam “cheios de marra”, retiravam seus gorros e assumiam um ar solene. A abertura das cortinas, suscitava uma chuva de aplausos que se repetia a cada parte mais marcante do espetáculo. Os bailarinos, emocionados, choravam em cena aberta. Ao final, os aplausos pareciam infindáveis. Penso que ninguém (beneficiários, educadores ou bailarinos), saiu daquele teatro da mesma forma com que nele entrou.
Apesar do salário, não muito alto, que eu recebia como secretária municipal (pelo menos naquela época), o reconhecimento pelo trabalho realizado funcionava como uma verdadeira “compensação para a alma”.
Isto me lembra a brincadeira de Fernando Henrique (que também não consegue perder uma piada), quando perguntado sobre como estava a vida após o término do governo. Disse ele: Estou me sentindo muito prestigiado. A partir de agora, porém, acho que chega de honrarias, preciso mesmo é de honorários! Já eu, confesso que gostava das honrarias.
Uma das entidades que mais me concedeu homenagens foi o Exército Brasileiro. Na verdade, tudo começou com um programa que realizamos em parceria com o exército, para atendimento a crianças e jovens em quarteis. A proposta era a de complementar a escolaridade, através de atividades esportivas, culturais e de apoio escolar. As instalações, os recursos humanos e a merenda eram de responsabilidade do exército, com apoio da prefeitura. Foi criada, inclusive, uma ONG – Rio Criança Cidadã – para se encarregar da execução do programa.
Este programa fazia o maior sucesso com a garotada. Ele continha aspectos bastante diferentes da realidade da grande maioria deles. Incluía rotinas, horários, disciplina, mas especialmente figuras masculinas, que funcionavam como adultos de referência positiva. Estes garotos viviam em ambientes onde sobressaíam as figuras femininas da mãe, da avó e da professora. O masculino, para eles, era muitas vezes associado ao pai ausente, à brutalidade do policial ou ao poder tirano do chefe do tráfico. Assim, o contato com uma instituição majoritariamente masculina parecia contribuir positivamente para o processo de formação daquelas crianças e jovens.
Penso que foi, principalmente em função desta parceria, que recebi três importantes comendas: a Medalha Zenóbio da Costa, a Medalha do Pacificador e a Ordem do Mérito Militar.
Também tive a honra, de receber, das mãos do Prefeito Luiz Paulo Conde, e junto com a Secretária Municipal de Educação, a Medalha do Mérito Carioca. Foi uma satisfação ter um reconhecimento entre nossos pares, para vencer o mito de que “santo de casa não faz milagres”.
A Medalha Pedro Ernesto é a principal comenda outorgada pela Cidade do Rio de Janeiro, por meio de sua Câmara Municipal. Seu nome foi uma homenagem ao trabalho realizado pelo Prefeito Pedro Ernesto em prol da cidade. Apesar das críticas que se fazem, em relação aos critérios de escolha dos homenageados, devo confessar que fiquei muito feliz com esta homenagem, especialmente por se tratar da minha cidade.
Além disto, foi uma excelente oportunidade de reunir familiares, amigos e equipe (também alvo da homenagem) em torno de uma cerimônia reconhecimento.
Meu marido Roberto Aduan (todo orgulhoso), minha filha Daniela (colocando a medalha) e minha filha Flávia (fazendo um emocionante discurso).
Após dois anos de administração Conde, voltamos a enfrentar um novo período eleitoral, para escolha do presidente, de governadores e de deputados. No Estado do Rio de Janeiro, Cesar Maia perdeu para Garotinho e Fernando Henrique Cardoso venceu em nível nacional.
Eu não tinha nenhuma intenção de deixar a SMDS, nem indicativos de que estava sendo cogitada para trabalhar no Governo Federal. O único fato que me pôs “uma pulga atrás da orelha” foi um encontro casual que tive com FHC, em um evento na sede carioca do Itamarati. Como pensei que ele não me conhecesse, fui me apresentar, para felicitá-lo pela eleição. A observação inesperada foi: Evidente que te conheço. Senão minha mulher me matava!
Em dezembro de 1998 fui surpreendida com o convite para assumir a Secretaria de Estado de Assistência Social (SEAS), com status de ministério. Não tenho dúvida de que devo esta indicação à Ruth Cardoso. Sou-lhe muito grata.
Para assumir a SMDS foi escolhido o presidente da FUNLAR, o médico Carlos Augusto de Araújo Jorge. Ele conservou quase todo o “dream team”. Assim, tive poucas adesões ao convite de ir comigo para Brasília. Somente minha assessora de comunicação, Nívea Chagas e o então presidente do Conselho Municipal de Assistência Social, Marcelo Garcia, toparam aquela empreitada.
Mesmo assim, organizamos uma força tarefa, com membros do grupo de gestão da SMDS, para atuar como equipe de transição, apesar de não haver, por parte deles, a menor intenção de se mudar para Brasília.
O clima de Brasília nos parecia muito diferente da atmosfera informal e descontraída do Rio. Lá, todos eram solenemente chamados de “doutor”. Lembro-me de uma vez que estávamos em uma reunião e a secretária veio comunicar para uma pessoa do Grupo do Rio – Solange Magalhães – que Doutora Luíza desejava falar com ela ao telefone. Solange agradeceu e fez um pedido: Por favor, não tratem minha empregada com este título, pois ela vai acabar pedindo aumento de salário!
É importantíssimo ressaltar que as conquistas de minha gestão à frente da SMDS só foram possíveis graças à competência, à criatividade e à garra daquele dream team. Aquela era realmente uma orquestra afinadíssima, tendo, como spalla, a subsecretária Leda de Azevedo, além de músicos fantásticos, tanto no grupo gestor, quanto no de apoio – Roberto (secretário e fiel escudeiro), Seu Ney (melhor motorista da prefeitura). Esta equipe foi a verdadeira responsável pelos êxitos alcançados.
Além da equipe, algumas questões contextuais contribuíram para os avanços. Neste sentido, destacaria a autonomia na montagem e gestão da equipe, uma certa blindagem em relação às interferências partidárias, o apoio de organizações da sociedade civil e do legislativo (sempre contei com o suporte, inclusive de partidos da oposição), recursos orçamentários compatíveis com as propostas e, especialmente, o tempo de duração da gestão. Foi fundamental a permanência no cargo durante cinco anos. Não dá para conceber, implantar, avaliar e aperfeiçoar uma proposta de política pública, em um contexto de alta rotatividade. Reportagem atual sobre o tema avalia, em dois anos e meio, a média de permanência nos cargos públicos de direção, e em seis meses a maior frequência (moda). Assim, não há proposta, por melhor que seja, que resista!
Com isto, terminamos a Temporada 2. Nela tive o prazer de discorrer sobre a história de minha formação pessoal e profissional, sobre a desafiadora experiência como diretora do Brizolão da Mangueira, sobre minha vida de ongueira e sobre a primeira experiência de gestão de política pública, na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social. A parte referente ao governo federal, apesar de suceder os fatos narrados nesta temporada, foram os primeiros a serem apresentados (Temporada 1). Assim é que, na próxima temporada, vamos dar um “salto para o futuro” e abordar o período pós-governo federal. Vamos falar sobre uma nova mudança, desta vez para Washington DC, com a experiência no Banco Interamericano de Desenvolvimento, sobre minha volta para o Brasil, quando assumi a superintendência do Instituto Unibanco, e sobre a experiência de cinco anos na coordenação do Pacto pela Educação do Pará. É muita história, mas confesso que estou adorando contar!
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