Wanda Engel
Por WandaEngel -
Neste episódio, vamos tratar das chamadas metodologias – instrumentos, disponibilizados às escolas do Jovem de Futuro, para o alcance de suas metas de desempenho e de fluxo. As metodologias representavam um verdadeiro fermento na “receita do bolo” do Jovem de Futuro.
Algumas metodologias eram responsáveis pela motivação, mobilização e comprometimento de professores, alunos, familiares e membros da comunidade do entorno, e pela melhoria das práticas docentes. Outras, pelo estabelecimento de vínculos entre educação e trabalho, ou pelo aprofundamento de temas considerados cruciais para o futuro dos jovens.
No episódio anterior, foram apresentados alguns fatores que poderiam ser associados ao êxito do Jovem de Futuro. Além daqueles mais objetivos (apoio a professores, alunos, direção e melhoria da infraestrutura), surgiram outros, de cunho mais intangível, como mobilização, incentivos e temor a sanções, com considerável influência sobre os resultados.
As metodologias de mobilização visavam colocar “todos na mesma página”, criar um sentimento de identidade grupal, compartilhar desejos, enfim, irmanar os atores envolvidos, no enfrentamento aos desafios comuns.
Em outras palavras, elas eram responsáveis por “preencher de ânimo” (alma) a proposta do Jovem de Futuro, constituindo, sem dúvida um dos seus mais importantes fatores de êxito.
No campo das metodologias de mobilização, e seguindo uma ordem cronológica, vamos começar pelo SuperAção, pois era a primeira a ser executada nas escolas que aderiam ao Jovem de Futuro.
A chegada do Jovem de Futuro na escola era marcada por um consistente processo de divulgação, junto à comunidade escolar e seu entorno, que culminava com um grande evento, denominado SuperAção na Escola. Este evento era também realizado no início dos dois outros anos do projeto, com ênfase em diferentes temas.
Apesar de o foco principal ser a melhoria da infraestrutura, o SuperAção era uma metodologia de mobilização de pais, alunos, professores e voluntários, em função do Plano Estratégico da escola e de seus desafios.
Realizada no início dos anos letivos, o SuperAção era um choque de renovação da esperança e de engajamento da comunidade escolar, com os compromissos da escola, no sentido da melhoria de seus resultados.
As escolas exibiam cartazes com dados sobre “onde estamos” e “aonde queremos chegar”, e criavam espaços de discussão sobre “como podemos chegar lá” e “como cada um pode contribuir”.
A escola definia livremente seu plano de ação para os eventos que aconteciam durante um final de semana. A responsabilidade pela organização cabia a uma equipe composta por um coordenador, um grupo de Agentes Jovens e um líder, selecionado entre os professores.
A programação previa atividades nas quais os participantes, incluindo os voluntários do Itaú-Unibanco, dedicavam-se, em regime de mutirão, a tarefas de benfeitorias ou recuperação das instalações físicas da escola, como a pintura de muros, a montagem de canteiros ou a reforma de uma quadra ou biblioteca.
Também eram incluídas palestras e atividades interativas, como competições e coleta de doações. Estas envolviam os alunos em gincanas de arrecadação de itens, em função das necessidades de cada escola.
Além de gerar melhorias, as atividades deveriam reforçar o sentimento de pertencimento e de corresponsabilidade com o incremento dos resultados escolares.
Havia também uma competição, envolvendo todas as escolas do JF de uma dada cidade.
Os alunos eram incentivados a fazer um vídeo curto sobre o evento, ressaltando o nível de mobilização, as atividades desenvolvidas e os resultados alcançados.
Os vídeos deveriam ser postados nas redes sociais e, aqueles com maior número de “likes” faziam das escolas as Campeãs do SuperAção, com direito a prêmios para os alunos e para as próprias escolas.
A competição funcionava como estratégia de ampla divulgação do Jovem de Futuro na comunidade.
Dentre as metodologias de mobilização, com foco na juventude, uma das mais importantes era o Agente Jovem Escolar, concebido em parceria com a ONG “Cidade Escola Aprendiz”.
Seu o objetivo era o de formar lideranças, entre os estudantes, para torná-los protagonistas das mobilizações voltadas à melhoria dos resultados.
Encarregados de fomentar a participação dos colegas nas atividades do Jovem de Futuro, os Agentes Jovens eram também decisivos na tarefa de identificar e motivar alunos em situação de risco, propensos à evasão, para que permanecessem na escola.
Além disto, eram encarregados de promover e divulgar ações que contribuíssem para a melhoria do clima escolar e a diminuição da violência, com o intuito de incrementar os índices de frequência na escola.
Eles eram selecionados por professores e coordenadores pedagógicos entre alunos que se destacavam por sua capacidade natural de liderança, carisma e desenvoltura, junto aos diferentes grupos da comunidade discente.
A ideia do Agente Jovem surgiu no período em que eu exercia a função de Secretária Municipal de Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro. Implantamos, então, o programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social, com atuação nas próprias comunidades.
Quando me tornei Ministra de Assistência Social, o programa Agente Jovem foi executado em todo o país, nas modalidades de saúde, meio ambiente, e direitos humanos, este último associado ao Plano Nacional de Segurança Pública.
Já no bojo do Jovem de Futuro, o Agente Jovem tinha como área de atuação a própria escola, onde exercia o papel de promotor da melhoria do atendimento educacional.
Somente mais tarde, quando trabalhei na Agenda Social do Pará, pude propor um continuum na atuação de Agentes Jovens, alunos das escolas de Ensino Médio, que se iniciaria, na primeira série, com o Agente Jovem Escolar, prosseguiria, na segunda série, com o Agente Jovem Comunitário, e se completaria, na terceira série, com o Jovem Aprendiz, construindo, gradativamente, um caminho seguro, entre a escola, e o mundo do trabalho.
Além dos jovens com função mobilizadora, o IU implementou, pela primeira vez em 2009, a figura do Agente Jovem de Pesquisa.
Capacitado em métodos de amostragem, sistematização de dados e interpretação de resultados, sua função era identificar fatores que influenciavam a participação dos alunos, na vida escolar.
Cabia a eles mapear, por exemplo, os principais motivos de faltas e de rejeição a determinadas atividades, além dos “pontos de apoio” ou “pontos de risco”, existentes nos arredores da escola.
A expectativa era de que a articulação entre pesquisadores e mobilizadores proporcionasse, aos Agentes Jovens, uma atuação mais focada e efetiva, inclusive para a formatação de projetos de iniciativa dos próprios alunos (grêmios, fanzines), para os quais o programa previa um financiamento, através de um fundo concursável.
Eram frequentes os encontros entre os Agentes Jovens de escolas do JF de uma mesma cidade.
Em novembro de 2011, entretanto, Agentes Jovens e professores das 98 escolas, à época participantes do Jovem de Futuro, estiveram reunidos, na capital paulista, para pensar alternativas para melhorar a qualidade do Ensino Médio, conter a evasão e o abandono escolar.
O evento resultou no desenvolvimento de diretrizes, cuja implementação por governos, escolas e alunos poderia, na visão dos Agentes Jovens presentes, contribuir para enfrentar tais problemas.
No início do evento, os professores acompanhantes realizaram uma atividade chamada de “colheita”, na qual transcreveram e comentaram ideias captadas junto aos alunos, durante a fase preparatória.
Um talk-show com o jornalista Gilberto Dimenstein, criador do Cidade Escola Aprendiz, completou a programação da manhã.
Na parte da tarde, os Agentes Jovens participaram de um World Café, durante o qual, divididos em 60 mesas de diálogo, tiveram, como missão, discutir e propor soluções para cada um dos 20 temas apontados, nas pesquisas das escolas, como as principais causas da evasão.
Dentre as principais causas do abandono apontadas pelos alunos, no campo do sistema de ensino, destacavam-se os aspectos negativos do horário noturno, a falta de vagas, o bullyng, problemas de infraestrutura e de organização escolar, a transição entre o EF e o EM, e as más condições de trabalho do professor.
Já no âmbito dos fatores externos, sobressaíam o uso de drogas, a gravidez, a dificuldade de transporte, a falta de segurança, a violência doméstica e comunitária, a má alimentação, o desinteresse, a necessidade de trabalhar (autonomia ou ajuda à família), problemas de saúde e convocação para o serviço militar.
Quanto à primeira causa apontada, referente ao ensino noturno, vale lembrar que aproximadamente 30% dos jovens, mesmo em estados ricos do Sudeste, estão matriculados neste horário, enquanto apenas 17% conjugam as atividades de educação e trabalho, necessitando, de fato, transferir-se para a noite.
Urge que o curso noturno seja reservado apenas para os maiores de 18 anos, na modalidade de Ensino Supletivo.
Vale lembrar que, até os 17 anos, as famílias têm direito ao Bolsa Família e que a obrigatoriedade da escolaridade vai até esta idade. Estão dadas, portanto, as condições e a base legal para que se garanta, a todos os menores de 18 anos, uma escola de melhor qualidade em turnos diurnos ou em regime de tempo integral.
Seguiu-se uma dinâmica em que os jovens foram desafiados a “desmontar a bomba-relógio da evasão” – uma atividade lúdica, cujo objetivo era mostrar que o enfrentamento desse crucial e urgente problema dependia de interação e de diálogo.
As propostas elaboradas pelos Agentes Jovens foram apresentadas, por eles, durante o seminário “Como Aumentar a Audiência do Ensino Médio?” que estava sendo promovido pelo IU no mesmo período.
Idealizada em formato de campanha de mobilização, esta metodologia, liderada pelos Agentes Jovens, visava fazer o aluno refletir sobre a importância de concluir o Ensino Médio.
A campanha estava associada a uma proposta de ação para voluntários do Itaú-Unibanco, que através de testemunhos e jogos educativos (foco de um próximo episódio), vinham tratando deste tema, nas escolas do Jovem de Futuro.
As escolas confeccionavam e expunham banners, com dados comparativos entre aqueles que completavam o Ensino Médio e os que o abandonavam, como por exemplo: diferenças salariais e de empregabilidade, índices de mortalidade por causas externas ou população privada de liberdade.
A primeira versão da campanha, realizada no Dia do Estudante (13 de agosto), consistia em um grande “twitaço”, com a hashtag #estudarvaleapena.
Estudantes, professores e familiares das escolas do Jovem de Futuro, além de personalidades públicas, como o casal Luciano Hulk e Angélica, postavam twitters sobre porque consideravam que estudar valia a pena.
O objetivo era o de que a hashtag constasse do Top Trend 10 do Twitter. A meta foi alcançada, mas o primeiro lugar coube ao tema do tradicional “calote” do dia do advogado.
Nosso #estudarvaleapena obteve um honroso segundo posto.
Havia um conjunto de metodologias voltadas diretamente para a melhoraria do desempenho escolar dos alunos. Neste grupo se incluíam o Entre Jovens, a Monitoria e o Jovem Cientista.
O Entre Jovens foi apresentado, detalhadamente, no Episódio 6 desta temporada, o que nos exime de dedicar um espaço maior para sua apresentação.
Somente para lembrar, ela buscava resgatar os conteúdos de matemática e língua portuguesa do Ensino Fundamental (Entre Jovens na Primeira Série do EM) e do Ensino Médio (Entre Jovens na Terceira Série), que os alunos não haviam aprendido na fase adequada.
A metodologia constava de um programa de tutoria, desenvolvido por jovens universitários (futuros professores e coordenadores pedagógicos), o que aumentava a identidade e a empatia entre o jovem aluno e o jovem tutor.
A dificuldade de envolver jovens universitários acabou fazendo com que o caráter de jovem para jovem fosse deixado de lado em algumas escolas.
Para não deixar de utilizar o excelente material didático do Entre Jovens, baseado, como já foi visto, na essência dos pré-requisitos necessários ao prosseguimento dos estudos, os próprios professores assumiram, nestes casos, a execução do programa.
A mesma lógica de colocar jovens ensinando jovens, utilizada no Entre Jovens, serviu de base à proposta da Monitoria.
Nesta metodologia, ao invés de universitários, propunha-se a atuação dos próprios alunos da escola, como apoiadores de seus colegas.
Os estudantes, com diferentes níveis de desempenho e potenciais cognitivos, eram convidados a atuar como auxiliares de seus professores (monitores), na tarefa de apoiar o aprendizado de colegas com maiores dificuldades.
Vale destacar que a proposta de assumir o papel de monitor não se restringia aos “bons alunos”.
Havia inclusive um incentivo para direcionar a escolha para níveis diversificados de desempenho, incluindo especialmente, aqueles que estavam “com um dos pés na rua”, ou seja, propensos ao abandono.
Como as escolas ofereciam uma bolsa para os monitores, com os recursos do programa, isto poderia funcionar como um incentivo à permanência.
Na verdade, os “objetivos ocultos” eram os de aumentar o envolvimento dos alunos com sua própria escola e promover a aprendizagem colaborativa.
A Monitoria se inspirava no mecanismo de apoio ao trabalho docente, muito usado nas universidades. O professor responsável tinha a função de subsidiar e acompanhar a atuação de seus monitores.
Além de incentivar, entre os participantes, uma atitude responsável, desenvolvia outras competências e habilidades socioemocionais indispensáveis à vida na sociedade do século 21.
Esta metodologia cumpriu parte do Ciclo de Produção de Tecnologias, tendo sido aplicada, para testagem em caráter experimental, no Centro de Estudos Tomas Zinner.
Passou, em seguida, a integrar o grupo de metodologias opcionais do Jovem de Futuro.
Havia uma preocupação com o fato de o JF ter um foco claro em Língua Portuguesa e Matemática, não parecendo dar a ênfase necessária às áreas de ciências da natureza e ciências humanas.
O Jovem Cientista foi uma estratégia utilizada para introduzir, no JF, o tema das ciências da natureza, enquanto as várias questões, focalizadas pelas metodologias temáticas, propunham-se a colocar, em discussão, questões da área das ciências humanas, sociais e ambientais.
Com uma abordagem interdisciplinar, através de projetos, reunia física, química, biologia, matemática e português, proporcionando ao aluno uma visão abrangente dos problemas, e criando diferentes possibilidades de conexão entre os diversos campos do saber científico.
Ao mesmo tempo, possibilitava ao professor a criação de atividades dinâmicas e interessantes.
Despertava o interesse pelo aprendizado das ciências, abrindo caminho para a continuidade dos estudos em áreas científicas, consideradas estratégicas para o desenvolvimento do país.
Para facilitar a transferência desta metodologia para as escolas do Jovem de Futuro, todos os conteúdos foram sistematizados em um Guia de Aplicação, com propostas de atividades específicas e exemplos de planos de aula, reunidos em torno de sete projetos de trabalho.
Como em todas as metodologias, o IU oferecia aos educadores uma capacitação prévia e a possibilidade de suporte à distância, plantão de dúvidas e análise de relatórios das atividades de classe para sugestões de aulas.
Um dos grandes problemas enfrentados pelo Ensino Médio sempre foi o divórcio entre o mundo da escola e o mundo do trabalho.
Excluindo-se um número ridiculamente pequeno de cursos profissionalizantes, o Ensino Médio Regular passava longe de um dos temas mais importantes para a vida dos jovens alunos – o trabalho.
Os problemas do currículo enciclopédico e inflexível do EM, bem como da carência de cursos profissionalizantes, foram enfrentadas pela proposta do Novo Ensino Médio, aprovada em 2017.
Além de introduzir a oportunidade de os alunos escolherem “itinerários formativos”, ligados a diferentes campos do conhecimento (Matemática, Linguagens, Ciências Humanas e Ciências Naturais), o Novo Ensino Médio incluiu, entre as opções, a Formação Técnica e Profissional, Tornou também obrigatória a construção de um Projeto de Vida.
Apesar da grande controvérsia suscitada, especialmente por problemas de comunicação, a proposta veio concretizar a aspiração de grande parte de educadores e estudiosos do tema do EM, formatada nas últimas décadas.
Naquele momento, para começar a preencher esta lacuna, associamos, ao Jovem de Futuro, uma iniciativa que vinha sendo desenvolvida pelo IU, no sentido de promover a utilização da fantástica janela de oportunidades representada pela Lei do Aprendiz.
Como também existe muita controvérsia a respeito desta legislação, vamos tratar de esclarecer, em uma próxima oportunidade, todo seu potencial transformador no enfrentamento da questão da juventude pobre brasileira.
No próximo episódio você vai saber o que é a Lei do Aprendiz e como ela pode representar uma ponte entre educação e trabalho, para nossos jovens mais vulneráveis. Vamos abordar também metodologias voltadas a questões cruciais como O Valor do Amanhã, Educação Financeira e o Meio Ambiente Urbano. Não perca!
Estamos diante de mais uma aula que indica ser possível mudar a realidade dura do Brasil. Os exemplos são concretos e comprovados. O envolvimento dos familiares e da comunidade do entorno, o vínculo entre educação e trabalho e o cuidado com os alunos em situação de risco, com a ajuda dos colegas, são exemplos de uma política pública efetiva. O Brasil todo deveria estar nessa linha.
Todo esse repertório de metodologias podem e deveriam ser replicados nas Escolas. Só quem fez parte desse processo pode afirmar o valor , a necessidade e os resultados alcançados. Me orgulho de ter vivido essa brilhante experiência !
Os projetos seus, Wanda, são sempre inovadores com conceitos e ações com força para transformar a realidade dura de uma sociedade estupidamente desigual. Neste texto vejo pontos relevantes para uma política pública de educação: envolvimento das famílias e da comunidade, o cuidado de aproveitar os jovens no aprpveitamento de outros jovens. Tudo que as políticas tradicionais não têm e que deveriam ter.